18.4.07

A tensão assumida

DOMINGO III DA PÁSCOA Ano C
"Ao romper da manhã, Jesus apresentou-se na margem,
mas os discípulos não sabiam que era Ele."
Jo 21, 4

Não deixa de ser estranho que os encontros com Jesus ressuscitado comecem por uma incapacidade de os discípulos O reconhecerem. Jesus precisa dizer uma palavra ou fazer algum gesto, mostrar os sinais da paixão, comer à sua frente, pegar no pão e no vinho, encher as redes de peixes, para poderem afirmar: "É o Senhor!" É a tensão própria da fé que está presente em tudo o que é essencial, do sangue que corre nas nossas veias ao diálogo do homem com Deus.
Paul Klee, um pintor expressionista do século XX escreveu: "Tornar-se é melhor do que ser." "Nascemos humanos mas também nos tornamos humanos", dizia-nos o Dr. Juan Ambrósio no início de um ciclo de conferências sobre a experiência religiosa no nosso tempo. Somos pouco educados para viver as tensões que são essenciais ao nosso crescimento, e o mínimo conflito gera fuga ou violência em vez de criar diálogo e tolerância. Prefere-se a paz de "não fazer ondas" ainda que se reprima o que era preciso dizer, ou então procura-se vencer a todo o custo o adversário e ficar por cima. A tensão incomoda o nosso acomodamento, obriga a rever os preconceitos, impulsiona a procura, não tem que terminar com um vencedor e um vencido. E quando desvalorizamos a tensão o que cresce é a indiferença, esse "caruncho" pernicioso das almas, mascarado de liberdade, que desumaniza e apaga nos olhos o brilho das estrelas.
A própria experiência cristã acontece em tensão: Deus encontra-se com o homem, sem Deus deixar de ser Deus nem o homem deixar de ser homem? Tudo se torna possível neste sublime diálogo. E esta tensão não é para ser ultrapassada mas assumida. Em Jesus Cristo o encontro é pleno e nele todos o podemos fazer. É possível falar muito disto e dizer inúmeras coisas bonitas, mas ninguém nos pode substituir nessa experiência. Como Pedro na barca, é preciso "atirarmo-nos à àgua" para ir mais depressa. Que realidade humana de maior tensão do que o próprio amor? Este querer o maior amor a quem amamos, ou como dizia Camões "transforma-se o amador na cousa amada", é um caminho nunca ultrapassado mas tem de ser assumido. Também a corda de uma viola para estar afinada precisa estar na tensão exacta, e isso disse-o luminosamente Sebastião da Gama: "A corda tensa que eu sou, / o Senhor Deus é quem / a faz vibrar... / Ai linda longa melodia imensa!... / - Por mim os dedos passa Deus e então / já sou apenas Som e não / se sabe mais da corda tensa..."!
Uma vez reconhecido e alimentados, Jesus pede a Pedro a sua profissão de amor. Pede-lhe que passe da tensão de O ter negado à tensão de O amar. Esta é a tensão que importa testemunhar em Igreja, no diálogo que faz crescer, na humildade que revela a beleza, no serviço que mata as fomes. É esta tensão que assumimos e a única pesca que desejamos? Ou lançamos as redes e elas vêm vazias?

Padre Vítor Gonçalves

[enviado por Jorge Mayer]