O suicídio assistido
Depois da liberalização do aborto até às doze semanas, seria de esperar que o tema da eutanásia fosse trazido à discussão pública. Neste caso, o principal argumento daqueles que defendem a eutanásia incide sobre o direito que o indivíduo tem, em determinadas circunstâncias ─ normalmente associadas a um forte sofrimento físico ou psíquico decorrentes de uma doença incurável ─ de poder decidir pôr termo à sua vida. Julgo que a morte não é em si um direito; antes uma inevitabilidade. Aquilo que todo o ser humano tem direito é de viver e morrer com dignidade.
Outro argumento para justificar a eutanásia corresponde “ao sofrimento da pessoa”. O sofrimento é muitas vezes visto como algo indigno, desumano, motivo de vergonha e que por isso deve ser banido a qualquer preço, pelo que a eutanásia passa ser a vista como um gesto de compaixão. Esta “piedade hipócrita” esconde, por vezes, uma injustiça e um sentimento egoísta, uma vez que considera que os mais fracos, as vítimas do infortúnio, aqueles que adoecem ou simplesmente envelhecem, já não têm lugar nesta sociedade. Ou seja, no caso de surgirem ideias de suicídio nestes indivíduos não se procura demovê-los, nem auxiliá-los. Nestas situações prevalece um espírito de complacência e compreensão, já que o sofrimento e o desespero em que se encontram conduzem automaticamente a um estatuto de “suicidas justificados”.
Então, mas não serão também estes os motivos que levam a maioria dos indivíduos a cometer o suicídio? O homem é o único ser vivo que reflecte sobre a sua própria morte. Na maioria dos países, excluindo o suicídio por motivos políticos ou religiosos mais extremistas, é consensual que o suicídio não deve ser encorajado, devendo-se proteger o indivíduo de causar a morte a si próprio. Afinal, por que é que não existe consenso à volta da eutanásia?
Desde Robbins (1959) verificou-se que mais de 90% das pessoas que se suicidam apresentavam alterações psicopatológicas. Deste modo, estariam privadas do discernimento necessário (em termos mentais) para avaliar em consciência e em liberdade, a decisão de se suicidarem. Sabemos ainda que, por detrás do desejo de morrer, existem várias doenças mentais tratáveis – como é o caso da depressão. Desta forma, a existência de um “suicídio racional” é algo questionável e a história dá-nos um exemplo extraordinário a este respeito: a esmagadora maioria dos prisioneiros dos campos de concentração, mesmo sendo submetidos a um sofrimento atroz e às mais diversas torturas, raramente se suicidavam.
Quase diariamente, os psiquiatras na sua actividade clínica confrontam-se com doentes que tentaram o suicídio ou que têm ideias de o vir a concretizar. A posição do psiquiatra é sempre a mesma: demover a pessoa, protegê-la de si própria, aliviar-lhe a angústia e transmitir-lhe palavras de esperança. Não se julgue, porém, que é sempre fácil fazê-lo, pois somos confrontados com situações dramáticas, horrendas em termos de violência psíquica e cujo sofrimento associado é incomensurável. Diante de tanta tragédia, e da nossa impotência, muitas vezes o papel do médico limita-se a acolher o sofrimento da pessoa. A escutá-la e a sofrer com ela. No entanto, tal como acontece com muitas doenças incuráveis, para as quais o avanço da medicina vai descobrindo novos tratamentos, também verificamos que as situações de tormento infindável muitas vezes acabam por ter uma solução. A pessoa depois de ajudada, recupera a alegria de viver e encontra um sentido para a vida.
A resposta à eutanásia está nos cuidados paliativos. É através desta visão humanista da medicina que se procuram solucionar os problemas decorrentes da doença prolongada, incurável e evolutiva, prevenindo o sofrimento que acarreta, proporcionando a maior qualidade de vida possível aos doentes e às famílias.
Os defensores da eutanásia ou, em sentido lato, do suicídio assistido, apresentam-na como um acto de misericórdia e de compaixão perante o sofrimento de um doente vítima de uma doença grave e incurável. Chegam a ser os próprios familiares que a incitam e reclamam. Transmite-se assim a ideia de que, em determinadas circunstâncias dramáticas, ajudar alguém a pôr fim à sua vida é um acto de caridade e de amor, quando é aí que reside a grande hipocrisia da eutanásia.A eutanásia não é uma prova de amor, mas antes o testemunho egocêntrico da sua rejeição.
Pedro Afonso
Psiquiatra
In Jornal Publico - 28. 06. 2007
Outro argumento para justificar a eutanásia corresponde “ao sofrimento da pessoa”. O sofrimento é muitas vezes visto como algo indigno, desumano, motivo de vergonha e que por isso deve ser banido a qualquer preço, pelo que a eutanásia passa ser a vista como um gesto de compaixão. Esta “piedade hipócrita” esconde, por vezes, uma injustiça e um sentimento egoísta, uma vez que considera que os mais fracos, as vítimas do infortúnio, aqueles que adoecem ou simplesmente envelhecem, já não têm lugar nesta sociedade. Ou seja, no caso de surgirem ideias de suicídio nestes indivíduos não se procura demovê-los, nem auxiliá-los. Nestas situações prevalece um espírito de complacência e compreensão, já que o sofrimento e o desespero em que se encontram conduzem automaticamente a um estatuto de “suicidas justificados”.
Então, mas não serão também estes os motivos que levam a maioria dos indivíduos a cometer o suicídio? O homem é o único ser vivo que reflecte sobre a sua própria morte. Na maioria dos países, excluindo o suicídio por motivos políticos ou religiosos mais extremistas, é consensual que o suicídio não deve ser encorajado, devendo-se proteger o indivíduo de causar a morte a si próprio. Afinal, por que é que não existe consenso à volta da eutanásia?
Desde Robbins (1959) verificou-se que mais de 90% das pessoas que se suicidam apresentavam alterações psicopatológicas. Deste modo, estariam privadas do discernimento necessário (em termos mentais) para avaliar em consciência e em liberdade, a decisão de se suicidarem. Sabemos ainda que, por detrás do desejo de morrer, existem várias doenças mentais tratáveis – como é o caso da depressão. Desta forma, a existência de um “suicídio racional” é algo questionável e a história dá-nos um exemplo extraordinário a este respeito: a esmagadora maioria dos prisioneiros dos campos de concentração, mesmo sendo submetidos a um sofrimento atroz e às mais diversas torturas, raramente se suicidavam.
Quase diariamente, os psiquiatras na sua actividade clínica confrontam-se com doentes que tentaram o suicídio ou que têm ideias de o vir a concretizar. A posição do psiquiatra é sempre a mesma: demover a pessoa, protegê-la de si própria, aliviar-lhe a angústia e transmitir-lhe palavras de esperança. Não se julgue, porém, que é sempre fácil fazê-lo, pois somos confrontados com situações dramáticas, horrendas em termos de violência psíquica e cujo sofrimento associado é incomensurável. Diante de tanta tragédia, e da nossa impotência, muitas vezes o papel do médico limita-se a acolher o sofrimento da pessoa. A escutá-la e a sofrer com ela. No entanto, tal como acontece com muitas doenças incuráveis, para as quais o avanço da medicina vai descobrindo novos tratamentos, também verificamos que as situações de tormento infindável muitas vezes acabam por ter uma solução. A pessoa depois de ajudada, recupera a alegria de viver e encontra um sentido para a vida.
A resposta à eutanásia está nos cuidados paliativos. É através desta visão humanista da medicina que se procuram solucionar os problemas decorrentes da doença prolongada, incurável e evolutiva, prevenindo o sofrimento que acarreta, proporcionando a maior qualidade de vida possível aos doentes e às famílias.
Os defensores da eutanásia ou, em sentido lato, do suicídio assistido, apresentam-na como um acto de misericórdia e de compaixão perante o sofrimento de um doente vítima de uma doença grave e incurável. Chegam a ser os próprios familiares que a incitam e reclamam. Transmite-se assim a ideia de que, em determinadas circunstâncias dramáticas, ajudar alguém a pôr fim à sua vida é um acto de caridade e de amor, quando é aí que reside a grande hipocrisia da eutanásia.A eutanásia não é uma prova de amor, mas antes o testemunho egocêntrico da sua rejeição.
Pedro Afonso
Psiquiatra
In Jornal Publico - 28. 06. 2007