9.10.07

excerto

«Termino esta obra, com uma pequena pergunta: se o movimento da revelação de Deus em Jesus é, de facto, o que descrevi, que diálogo é possível com as religiões não cristãs? Não será do próprio interesse do cristianismo apostar num fundo comum de conhecimento do «divino», de «Deus», em todas as religiões e considerar segunda a maneira como o crente cristão tem acesso, por Jesus, a esse conhecimento? São questões graves que não podem ser tratadas irreflectidamente. Fazer do cristianismo, em primeiro lugar, um conhecimento do «divino» ou de «Deus», por um caminho original, mas no entanto segundo (não digo secundário), é certamente sedutor para quem deseja estabelecer um diálogo. Parece-me, porém, que o diálogo não se baseia no abandono da sua originalidade. Penso, pelo contrário, que se abrirá mais largamente, embora mais árduo, quando a revelação de Deus em Jesus se mostrar na sua verdadeira singularidade. O desaparecimento das filosofias religiosas no Ocidente permite fazer sobressair melhor o movimento inerente ao testemunho da primitiva Igreja sobre Jesus, como face de Deus, e abre aos encontros entre cristianismo e religiões não cristãs, um caminho que até ao presente não foi percorrido. Não é minimizando Jesus que o cristianismo entra no diálogo, é mantendo-se fiel à sua origem.»

Christian Duquoc, in "Jesus, homem livre", ed. 1973 (Paulinas)

8.10.07

Um Deus que se alegra com as nossas alegrias

Pensar que só a dor redime e que quanto maior é a dor, melhor, foi uma característica do cristianismo tardio. Os primeiros cristãos e mártires das catacumbas não pensavam assim. Eles rejeitavam o crucifixo como um sinal de ignomínia, como hoje o é a cadeira eléctrica. Por isso não há nenhuma pintura de Jesus crucificado nas catacumbas. A pintura mais antiga, na catacumba de Priscila de Roma, onde, segundo a tradição, se tinha refugiado Pedro, é a da última ceia: os apóstolos a comer com Jesus. Uma festa.

A santificação da dor pela dor é algo que aparece mais tarde, assim como um certo sentido de culpa pelo pecado. São mecanismos de repressão das consciências. Porque, se a dor é tão importante e santificador, é fácil cair na tentação de deixar a dor correr pelo mundo livremente sem se fazer um esforço para a eliminar.

A alegria, a felicidade, o gozo dos sentidos e até do espírito sempre meteram medo a algumas igrejas. Governa-se melhor com o medo do que com a felicidade. Mas podem pretender que um Deus do medo possa atrair alguém? Só pode ser temido. E daí a rejeitá-lo é só um passo.

Matar Deus para recuperar o sentido da felicidade humana foi para muito um imperativo de vida. Teria sido inútil matar Deus se se tratasse do Deus da serenidade, da tolerância, da criatividade, do gosto pelo novo, feliz pela felicidade do ser humano. Por acaso é perigoso um Deus demasiado bom? O único perigo é fazer Deus à imagem dos nossos rancores e de sacralizar a dor à imagem dos antigos deuses pagãos, famintos de sacrifícios sangrentos.

O que é necessário fazer é aliviar essa dor da qual nunca conseguiremos abstrairmos totalmente. Jesus curava os enfermos e ressuscitava os mortos, em vez de lhes dizer para sofrerem.

Nietzsche escreveu: "amo os homens que caem porque são os que se atrevem". Podia Deus ser diferente? Deviam temê-lo mais, os medrosos que os que tropeçaram na vida. Diz também: "É preciso ter dentro o caos para dar luz a uma estrela que dança". Mas haverá alguma pessoa que chegue à morte sem sentir um grande caos dentro de si? Pois, Deus é quem é capaz de acender uma estrela naquele caos, a estrela da esperança. Por isso estou de acordo com o filósofo alemão quando afirma: "só poderia acreditar num Deus que saiba dançar", quer dizer, um Deus capaz de se divertir com o ser humano, de gozar com a sua alegria, em vez de lhe dar um tropeção e expiá-lo pelas suas quedas. Capaz de estar a seu lado, como o melhor amigo, na hora decisiva (e até) da morte. Como fazem, sem serem deuses, os amigos de verdade de toda uma vida.

(adaptado de: ARIAS, Juan, "Un Dios Para El 2000 – contra el Miedo y a favor de la Felicidade", Descleé De Brouwer, Bilbao, 1998)